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domingo, 4 de abril de 2010

eu sou duas metades (A Ferreira Gullar)

Eu sou duas metades:

Uma parte grita
Enquanto a outra silencia

Uma parte esperneia
Enquanto a outra olha

Uma parte é alegria
Enquanto a outra chora

Uma parte é vadia, sai lá fora
Enquanto a outra é caseira, fica e só mora

Eu sou partido em dois partidos:

Um é de esquerda, luta, reclama
O outro de direita, pensa quieto, não inflama

Eu sou unido por duas cores:

Uma é negra, vinda de longe, suja de suor e sangue
A outra é branca, de tez altiva e famoso nome
Uma é africana, banzeira, quilombola
A outra, a do açoite, da cobiça e da glória

Sou Araquém, Iracema e Peri
Sou Alencar, sou José e Ceci
Sou Capitu, seus olhos, suas máscaras e luvas
Sou Machadinho, sou Brás, sou ironia: eu sou Cubas
Sou Ramos, Baleia e os meninos
Sou Graça, tenho graça, mesmo seco, sou divino.
Sou calado, Fabiano do nordeste: fibra forte.
Sou alegre, tenho sonhos, sou Vitória: venço a Morte.

Eu sou duas metades:

Uma imita tudo que vê
A outra inventa, tenta antevê.

Uma devora o que assiste, o que ouve e o que lê
Outra masca, mastiga, rumina, tritura,
E, depois, expele, expulsa, e cospe uma nova criatura.

Penélope S.S.
03/06/08 18:24

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