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sábado, 11 de novembro de 2017

Resenha crítica sobre a obra A Marcha das Efêmeras, de Flor, Priscila

Resenha crítica sobre a obra A Marcha das Efêmeras, de Flor, Priscila
Por Adriano RockSilva
Texto elaborado em 10-11-2017

  
O que leremos a seguir não é um caminho ou um roteiro sobre a obra A Marcha das Efêmeras. Não é minha intenção direcionar aquele ou aquela que está com o livro em suas mãos. O que fiz foi jogar nas próximas linhas todas as inquietações (creio que usarei bastante essa palavra) que me ocorreram durante a leitura da obra referida. Flor, Priscila, nos apresenta, já em sua obra inaugural todas as suas heranças seculares; suas andanças pelas ruas e pelos cheiros e cores das cidades. Mas principalmente, a autora nos leva a uma viagem interna dentro de seus personagens. Fazendo-os vomitar todas as suas mazelas e sentimentos, que às vezes podem ser singelos e por vezes cruéis. Observei todos os dez contos de maneira singular, por isso já advirto que pode haver ou não unidade no que apresentarei. E, confesso, estou bem à vontade em relação a essa questão. De modo que vamos aos fatos; ou aos contos.
Desnudos e vergonhosos. Essas foram as duas palavras que primeiro me vieram à mente após a leitura do conto inicial da obra A Marcha das Efêmeras. Não por acaso esse é o conto que inicia a obra. Aquele que vai na frente, desbravando com suas lâminas o lugar comum, onde o leitor (e aqui me incluo) está acostumado com um início suave, crescente. Engana-se. Bia Rita nos toma de assalto; nos sacode com suas máximas inquietantes. Ou seria uma carta de apresentação da autora? Colocando, desde as primeiras linhas, “Bia Rita, moça que desfilava com hematomas descobertos como medalhões na pele”, suas mangas de fora? Somente Flor, Priscila para nos esclarecer. Se assim desejar. Caso contrário, seguiremos desnudos e o mais... o mais encontre quando folhear suas primeiras páginas. A mim cabe confessar o quão aflito fiquei ao final dessa inebriante narrativa. Então, sejam bem-vindos aos devaneios de A Marcha das Efêmeras e cuidado onde pisam, pois “O mar é uma morte que se balança”.
De tanto tentar uma maneira de apresentar o segundo conto da obra em análise, me vi tentado a entrar no personagem que mais amou Denise. E aqui vamos nós.
Eu não sou Denise. Eu amo Denise. Ou amei. Um tão louco amor que até fiquei sem nome, pois Denise me tomou tudo. Olhos, beijos, carinhos, sono e até meu nome. E o que me restou foi uma passagem de ida para a Suíça. Ah! O amor. Nem sei quantos mil quilômetros são daqui a Suíça. Mas o certo é que antes do findar do dia, estarei nos braços, na boca, na orelha e nos carinhos de Denise.  E seguindo o conselho de Mama Velha: “Vai minha filha, está indo tarde. Que Deus lhe abençoe”. E a isso dei o nome de saudade.
“Conto com sabor de prosa”. Seria para suavizar as retinas e os ânimos de nós leitores, que há pouco nos deparamos com tamanha tsunami chamada Bia Rita? Suspeito que sim. Flor, Priscila não dá ponto sem nó. É detalhista e matreira na arte das letras. Nos ludibria com palavras singelas como “lábios” e “travesseiro”. Ou nos apresenta ao estrangeiro como nos livros do século XVIII. Tudo bem florido e dinâmico. Não; essa não é Flor, Priscila. E até pode ser. Quem sabe?! Quem sabe a prosa dos suspiros não a tenha vencido por alguns instantes e tenha nos proporcionado um momento de floreio, dentro do turbilhão chamado A Marcha das Efêmeras.
A noite dentro da noite nos traz uma flor de aroma doce, “batom roxo” e nome impreciso: Jamile.  Sigamos seu perfume para conhecermos até onde vai sua intensidade. Pensemos em Jamile como uma Macabéa dos nossos tempos. Pensemos na angustiante alegria dessa vivente que sem motivo aparente, ou com todos os motivos, ou somente por distração do destino, foi sugada para o vazio do não-existir, passando de ser a não-ser. Triste sina de uma flor adocicada.
E assim chegamos ao quinto conto.
Sem nome. Chama-se Robinho apenas por alusão a outra pessoa. E o que é melhor: “as palavras a seguir são surreais”. Quando o próprio autor, no caso autora, nos alerta sobre o que virá a seguir é porque mergulharemos em oceanos repletos de Moby Dick. E, por isso mesmo, é que nos atiramos a ele sem medir suas profundezas. Nesse conto, Flor uni com tamanho esmero a sutileza de um garoto comum, como tantos outros de sua rua, as intempéries do destino, que, vez outra, nos sacode com tamanha intensidade ao ponto de precisarmos que o Amor (fato raro em sua obra, ou ao menos o amor como o edificamos) nos arrebate. Não por acaso, esse é um dos mais extensos contos do livro. l'amour a ce pouvoir. Toujours.
“Luciene é moça bonita”. Mas não se iluda, o conto não o é. Quantas Lucienes bonitas se esvaem todos os dias e todas as noites? A resposta a esse questionamento não encontraremos nas páginas literárias. Todavia, incessantemente, devemos buscar o cessar desse feminicídio silencioso que nos envergonha e nos agride a cada nascer e pôr-do-sol.
Em Raul somos convidados, se é que a autora nos deixa escolha, a percorrer a mente e as peripécias que ela prega no personagem. Na busca por ele mesmo e por respostas, Raul nos guia por cada recanto e canto de seu quarto, esmiuçando todas as impressões, cores e aromas presentes ali. Aqui me aposso das três palavras mais significativas que a autora pôs nesse conto para defini-lo com a densidade que ele merece: “agonia, surpresa e alegria”.    
Aparentemente trivial, assim a autora nos introduz aos pensamentos de Val. Ledo engano. De repente, somos arremessados à morte, à perda e à tentativa de largar-se dela. E assim percorremos a trama, na busca pela saída ou coisa que o valha. E, novamente, de repente, como que para troçar com nossa expectativa, Flor nos faz cair do cavalo, trazendo-nos novamente ao trivial cotidiano. E aqui fica meu pequeno alerta aos que se aventurarem no mundo fantástico da Literatura: assim são elaborados os grandes contos, cheios de mescla da realidade com a suposta realidade. Se é que o real realmente existe. Decida por si mesmo.
Há culpa em Amália, por sua beleza e singela morenice? Esse é o questionamento que nos é impelido pela autora (em seu penúltimo conto). Nada ela almejava que não fosse um dia de sol e sua ida e vinda da mercearia com início e fim. Apenas ser Amália. Nada mais. Mas o patrão, e aqui devemos destacar essa palavra, pois a autora não a utiliza em vão ou meramente como substantivo simples. O patrão traz consigo toda carga de autoridade; de proprietário; de senhor do que está em sua propriedade. Toda carga semântica oriunda da acumulação dos séculos e mais séculos da vergonha escravocrata a qual tentamos jogar para debaixo do tapete ou dos carpetes comprados a peso de ouro ou através de sangue e suor. O patrão é o dono do corpo, do ser que ali está. E faz valer essa posse maldita, usufruindo dos sonhos e entranhas da moça que somente queria não ter intimidade com a ambição.   
Dolores é mulher que não espera. Ou 8 ou 80. E com a mesma intensidade com que se apresenta na trama, se esvai, deixando-nos com um acre sabor na boca. Dessa mesma matéria é que é feita toda a obra de Flor, Priscila. Do suave e ao mesmo tempo amargo veneno do cotidiano. Retirado (esse veneno) das entranhas dos personagens mais improváveis. Aqueles que vivem à margem do aroma europeu; das roupas limpas com amaciantes. Esses que arriscam suas existências a cada amanhecer e anoitecer. Se me fosse solicitado um nome para enquadrá-los (os personagens desse livro) usaria, sem receio de titubear o nome e-nig-má-ti-cos. Pois quantos mais mergulhamos em seus universos, mais ele nos intrigam, nos tragam para seus obscurantismos internos.
Não desejo boa leitura, pois estaria ludibriando você que nesse momento tem essa obra em mãos. O que posso lhe desejar é atenção às sutilezas e que sua leitura seja instigantemente provocante ao ponto de lhe retirar da zona de conforto.  
  

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